segunda-feira, 11 de julho de 2011

O SAMBA CANÇÃO, O JAZZ E O ERUDITO (RUI AGOSTINHO)

A partir do lançamento de "COPACABANA" de João de Barro e Alberto Ribeiro, (Sêlo Continental), suplemento de Julho/Agôsto de 1946 - com Dick Farney cantando em português com entonaçlão de cantor americano começa a surgir uma nova frente de música.
Ainda longe de ser uma Bossa-Nova, o samba-canção COPACABANA, muito sintomaticamente traz para a ribalta o cantor Farnésio Dutra que escolheu o pseudônimo de DICK FARNEY porque havia chegado recentemente dos Estados Unidos e teve a infantil idéia de de que faria carreira naquele país cantando música americana. Lá ele não conseguiu, mas no caso do Brasil, sua voz agradava mesmo sendo quase uma réplica da de Bing Crosby. Dick Farney era um "bom" pianista e chegou a disputar lá nos Estados Unidos um concurso de imitação daquêle seu idolo, então no auge de sua carreira.
Pois é e foi assim que o cantor Farnésio Dutra, feito Dick Farney, resolveu tentar a sorte fazendo a coisa que mais parecesse com Bing Crosby, como o e samba-canção, mais sempre usando o estilo sussurrado do blues americano. O sucesso imediato junto ao público já alienado, foi imediato. Compositores como os já citados João de Barro e Alberto Ribeiro e mais, Alcyr Pires Vermelho, Benny Wolkoff, José Maria de Abreu, Luyius Bitencourt, Jair Amorim, Oscar Beland, Marino Pinto e Mário Rossi, começaram a produzir sambas lentos a base de orquestrações americanizadas, em que Dick Farney (e logo em seguida seu imitador Lúcio Alves), entrava com seus sussurros sobre os acordes jazzisticos do piano.
Até Dorival Caymmi, o estilizador dos motivos folclóricos baianos entraria nessa onda. dando parceria ao milionário Carlos Guinle em nome de uma amizade que incluia alegres passeios de lancha pela Baía de Guanabara, em companhia de mulheres bonitas e com farta cobertura de fotografos de jornais e revistas da época, como "O Cruzeiro". Aliás, o samba "Sábado em Copacabana", da dupla Carlos Guinle e Dorival Caymmi, teria sido feito num desses passeios e figuraria ao lado de "Copacabana", de João de Barro e Alberto Ribeiro, como um dos mais representativos momentos da fase coca cola da Música Popular Brasileira. Em primeiro lugar, pela escolha do bairro Copacabana para tema da canção (o bairro era formado em sua maioria pela mais nova camada da classe média emergente e arrivista), e em segundo lugar, pela exaltação de um ideal de vida cujo contraste com o evidenciado nos sambas-canções da época anterior, é de saltar aos olhos. Senão vejamos.

Depois de trabalhar toda a semana,
Meu sábado não vou desperdiçar,
Já fiz o meu programa pra essa noite
E já sei onde eu vou começar.

Um bom lugar para encontrar
Copacabana
Pra passear à beira mar
Copacabana
Depois um bar, à meia luz,
Copacabana
Eu esperei por essa noite
Uma semana.
Um bom jantar
Depois dançar
Copacabana
Um só lugar
Pra se amar
Copacabana

A noite passa tão depressa
Mas eu vou voltar lá pra semana
Se encontrar um novo amor
Copacabana.

Muitas outras canções foram feitas ainda. Todas dedicadas a esse momento da MPB. Posso destacar: "Um cantinho e você" e "Ponto Final" (José Maria de Abreu e Jair Amorim).
"Se o tempo entendesse" (Marino Pinto e Mario Rossi).
"Reverso" (Marino Pinto e Gilberto Milfont).
"o Direito de Amar" (Lucio Alves), que também o gravou.

Eu viria a conhecer algumas destas canções depois que fiz cinco anos de idade, mais ou menos quando começou a minha memória musical. Estas canções marcaram a minha infancia, junto com "Ouça" e "Meu mundo caiu" da Maysa Matarazzo.
É bom lembrar também, que algumas composições desta fase não poderiam se diferenciar muito da música norte-americana, porque foram arranjadas por uma nova geração de orquestradores, todos eles - como Radamés Gnatalli - profundamente influenciados pela pelo estilo "Gershwin". Esses arranjadores, muito diferentes daqueles que haviam criado o samba canção, vinte anos antes, haviam se formado no período mais intenso da propaganda de guerra norte-americana que, incluia a investida no setor cultural, através da interpretação política da polifonia política do jazz como mais uma demonstração da liberdade ensejada pela democracia , o que exemplificavam com a exibição do virtuosismo que a sua música permitia, individualmente aos componentes das orquestras ou dos conjuntos. Aos músicos, como sempre coube a melhor e, as vêzes também a pior parte. A alienação dos orquestradores chegou a tal ponto que, em determinada apresentação da cantora Aracy Côrtes, no ano de 1957, foi-lhe quase impossível cantar no Teatro Municipal do Rio de Janeiro o samba 'Ai ioiô", tal era o excesso e a confusão de acordes acrescentados a música. Sem essa "riqueza de orquestração", a saudosa Aracy Côrtes havia cantado essa mesmo música de seu repertório, pelo menos umas quinhentas vezes.
Este amigo de vocês, poeta e estudioso da música pergunta: O que é mais importante: a obra criada em sua plena essência ou a imposição de um ponto de vista musical ?. Não respondo, deixo aqui a pergunta. A verdade é que sempre estamos passando por desencontrados caminhos.
Primeiro, jazzificado, depois abolerado, prosegguiria o samba-canção durante mais de 10 anos até, que a partir de 1958, a denominação bossa-nova viria pôr fim a confusão, sacramentando tudo isso, toda essa agressão a nossa música,através da eliminação dos ultimos toques de originalidade do samba tradicional. O nosso samba !
Rui Agostinho (sobre pesquisa e literatura de debates)

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